O CONTRATADO TEM DIREITO A REAJUSTE DE SEU CONTRATO?

O contrato administrativo submete-se a uma série de princípios e regras e, entre elas, a mais famosa seja a noção de equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Este equilíbrio tem seu fundamento de validade na Constituição Federal e se espraia pela legislação ordinária, e, mesmo assim, continua sendo alvo de acirrados debates dentro de repartições públicas e tribunais pelo país.

A Constituição diz o seguinte:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações

Aí está o berço do chamado equilíbrio econômico-financeiro do contrato: a busca de manter as condições efetivas da proposta.

Como se pode ler, a Constituição remete à lei e esta é principalmente o art. 65 da lei 8.666/93:

Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

I – por acordo das partes:

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

Esta passagem é a mais conhecida das referentes ao equilíbrio contratual. Porém, ela tem um fator condicionante que as empresas licitantes pouca vezes se dão conta: exige uma imprevisibilidade. Ou seja: algo aconteceu, externo à vontade das partes, que alterou (desequilibrou) acidentalmente a relação contratual.

A situação que o art. 65 visa proteger é tão extraordinária que dispensa previsão expressa no contrato: acontecendo o ato/fato desequilibrador, opera-se o remanejamento das disposições contratuais a fim de preservar as condições efetivas da proposta.

Simples, não ?

Infelizmente não.

É que a maioria das empresas detentoras de contratos com o setor público insistem em invocar esse art. 65 da lei 8666/93 sempre que pretendem a mera correção dos valores contratuais por decurso do tempo.

Na esmagadora maioria das vezes, não se está diante de uma hipótese de imprevisibilidade desequilibradora da relação entre as partes, mas apenas de uma situação onde o contrato pede um pequeno reajuste.

E é sobre isso – reajuste – que queremos conversar brevemente nesse texto.

Diferentemente da situação anterior (imprevisibilidade), o reajuste trata daquelas situações onde a desvalorização da proposta é absolutamente antecipável (previsível). O exemplo mais comum é a correção monetária anual dos valores contratados.

Conforme dissemos acima, o instituto do equilíbrio econômico-financeiro, de origem constitucional, se espalha pela legislação e o citado art. 65 é seu filho mais conhecido (senão o único, pela maioria dos licitantes). Todavia, ele está presente no art. 40 da lei 8.666/93 e também no art. 55, quando se determina a definição do índice adequado de reajuste OBRIGATÓRIO em todos os contratos.

Há também casos conhecidos como repactuação. Semelhantes à hipótese anterior, dizem respeito a correção de valores, mas, ao invés de índices de reajuste, são utilizadas atualizações de planilhas inteiras que levam em consideração variações salariais e mercadológicas; normalmente se relacionam a contratos de prestação de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra.

Porém, vamos continuar no reajuste, que é o assunto que nos propusemos a tratar aqui.

Para ser reajustável, um contrato administrativo precisa, via de regra, ter uma validade temporal superior a um ano de vigência. Antes desse prazo não há que se cogitar em reajuste, devendo, conforme o caso, a empresa se socorrer no art. 65 da lei 8.666/93, caso seja situação imprevisível.

Portanto, apenas serviços contínuos podem ser reajustados, ou seja, aqueles contratos que podem ser prorrogados porque indispensáveis ao funcionamento da Administração Pública.

Além disso, é imperioso que exista previsão contratual acerca do índice de reajuste a ser utilizado. E isso nem sempre acontece.

Não acontece porque muitos contratos são firmados sem a clara intenção de serem prorrogados; eles possuem uma certa “prorrogabilidade” dado a natureza do serviço, mas não sofrem o necessário planejamento e, com isso, acabam por não possuírem índice de reajuste contratual expresso.

E aí, como proceder nesses casos onde o índice não foi previamente definido?

O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais enfrentou o assunto de forma firme e corajosa.

“(…) embora os contratos administrativos tenham vigência inicialmente inferior a 1 (um) ano, há contratos cuja prorrogação é previsível por parte da Administração e do contratado, como, por exemplo, nos serviços de natureza continuada, cujas prorrogações são expressamente permitidas na lei de regência. Diante desse cenário, ressaltou que a Lei n. 8.666/1993, em seu art. 40, XI, prevê que os critérios de reajuste necessariamente devem ser previstos no edital do certame licitatório, sendo no mesmo sentido o art. 55, III, do mesmo diploma, prevendo a necessidade de constarem dos contratos administrativos as cláusulas de reajuste. Asseverou que o princípio da legalidade é baluarte do Direito Administrativo e vincula os atos administrativos às previsões legais, não podendo o Poder Público delas divergir ou excedê-las.”

(…) se o contrato celebrado é de prorrogação previsível, a Administração tem como “dever imperioso” prever no edital e no contrato os critérios de reajuste, enquanto se a prorrogação da avença é imprevisível, o Poder Público não se obriga à previsão desse instrumento de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.

Note que o tom utilizado pelo Tribunal é de que é responsabilidade da administração prever o reajuste, afinal, trata-se de aplicação do princípio da legalidade estrita e, como vimos, o equilíbrio contratual tem acento constitucional claro.

Continuando:

Destarte, concluiu que a correção monetária, por representar apenas a preservação do valor da moeda, corroído pela inflação, é direito do contratante e dever da Administração Pública, a ser aplicada sempre que o contrato tiver duração superior a 1 (um) ano, independentemente de requerimento do particular, devendo ser concedido a qualquer tempo, desde que observado o prazo prescricional de 5 (cinco) anos.

A decisão do TCEMG recebeu a seguinte ementa:

CONSULTA. PROCURADORIA MUNICIPAL. PRELIMINAR. ADMISSIBILIDADE. MÉRITO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. VIGÊNCIA SUPERIOR A UM ANO. REAJUSTE POR ÍNDICE. CONCESSÃO DE OFÍCIO PELA ADMINISTRAÇÃO. PAGAMENTO RETROATIVO. POSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA AO PRAZO PRESCRICIONAL. 1. Sempre que o contrato administrativo vigorar por período superior a 1 (um) ano, o contratado fará jus ao reajuste por índice, sendo dever da Administração Pública concedê-lo independentemente de requerimento do particular ou de previsão contratual expressa. 2. Na hipótese de a Administração Pública não ter aplicado o índice de reajuste no momento oportuno, é devido o pagamento retroativo, observando-se o prazo prescricional de 5 (cinco) anos. [CONSULTA n. 1048020. Rel. CONS. WANDERLEY ÁVILA. Sessão do dia 04/12/2019. Disponibilizada no DOC do dia 19/12/2019.]

Portanto, ao menos dentro da área de competência jurisdicional do Tribunal de Contas do Estado de Minas GErais, reajuste é um direito do contratado, e deve ser concedido independentemente de requerimento dele, e retroativamente quando for o caso.

Assim, fica a nossa recomendação aos licitantes que se virem diante de um edital de licitação:

  1. É uma contratação potencialmente prorrogável?
  2. Há índice de reajuste previsto expressamente (Caso não haja, peça esclarecimentos)
  3. Presente o índice de reajuste, está correto, reflete a variação real do mercado específico a que está relacionado? (Caso negativo, impugnar)

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