
O seguro-garantia em licitações e contratos administrativos é um instrumento utilizado para assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelo licitante vencedor e pelo contratado perante a administração pública. Ele desempenha um papel importante na mitigação de riscos e na garantia da segurança das partes envolvidas.
É fundamental destacar as diferenças entre esse seguro e outras modalidades de garantia, como a caução em dinheiro e a fiança bancária. Enquanto a caução em dinheiro envolve o depósito de uma quantia em espécie como garantia, e a fiança bancária é uma garantia oferecida por uma instituição financeira, o seguro garantia é uma apólice contratada junto a uma seguradora. Nesse caso, a seguradora assume a responsabilidade de indenizar a administração pública caso o licitante ou contratado descumpra suas obrigações.
Segundo a Lei 8.666/93, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, – Seguro-Garantia é o seguro que garante o fiel cumprimento das obrigações assumidas por empresas em licitações e contratos.
Já a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021), o seguro-garantia se refere exclusivamente ao cumprimento fiel dos contratos, excluindo-o da fase de licitação.
No entanto, as duas leis se referem à obrigação de previsão no edital de licitação e à necessidade de que suas cláusulas estejam bem definidas quanto a direitos, obrigações e, principalmente, hipóteses de cobertura, como deixa claro o Tribunal de Contas da União:
Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 1.537/2018): “O seguro garantia pode ser utilizado como instrumento de garantia de contratos administrativos, desde que devidamente previsto no edital e com condições que atendam aos requisitos legais. É necessário, no entanto, que haja clareza quanto às obrigações cobertas pelo seguro e aos procedimentos para acionamento da garantia.”
É importante atentar para uma diferença importante entre esse tipo de garantia ligada ao contrato e aquela conhecida como “garantia da proposta” que diz respeito à fase licitatória.
Apenas para fins elucidativos, a mencionada garantia da proposta está prevista no artigo 31 da Lei 8.666/93:
Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:
III – garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no “caput” e § 1o do art. 56 desta Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação.
O art. 56 acima transcrito enumera as modalidades de garantia como sendo a caução em dinheiro, o seguro-garantia e a fiança bancária.
Portanto, a garantia da proposta pode ser definida pela Administração Pública e precisa constar no edital de licitação, devendo ser escolhida entre as modalidades acima expostas.
O seguro garantia é diferente. É uma forma de garantia do contrato, ou melhor, da fiel cumprimento das obrigações contratuais, podendo ser a modalidade escolhida pelo contratado entre caução e fiança bancária.
SEGURO GARANTIA NA CONSTRUÇÃO CIVIL DE OBRAS PÚBLICAS

A Nova Lei de Licitações traz novas considerações sobre a figura do seguro-garantia especificamente direcionadas às contratações de obras públicas.
Na realidade, o que a nova legislação faz é adotar um entendimento já antigo no âmbito do Tribunal de Contas da União segundo o qual o seguro-garantia pode, sim, ser exigido em alguns tipos de contratação, não dependendo a prestação da garantia da escolha da modalidade pelo contratado.
Desse modo, diz a Lei 14.133/2021:
Art. 99. Nas contratações de obras e serviços de engenharia de grande vulto, poderá ser exigida a prestação de garantia, na modalidade seguro-garantia, com cláusula de retomada prevista no art. 102 desta Lei, em percentual equivalente a até 30% (trinta por cento) do valor inicial do contrato.
Art. 102. Na contratação de obras e serviços de engenharia, o edital poderá exigir a prestação da garantia na modalidade seguro-garantia e prever a obrigação de a seguradora, em caso de inadimplemento pelo contratado, assumir a execução e concluir o objeto do contrato, hipótese em que:
I – a seguradora deverá firmar o contrato, inclusive os aditivos, como interveniente anuente e poderá:
a) ter livre acesso às instalações em que for executado o contrato principal;
b) acompanhar a execução do contrato principal;
c) ter acesso a auditoria técnica e contábil;
d) requerer esclarecimentos ao responsável técnico pela obra ou pelo fornecimento;
Note que a Administração Pública poderá exigir a prestação da garantia através de seguro-garantia, independentemente do vulto da obra ou serviço de engenharia. A diferença quanto a obras de grande vulto apenas se assenta no percentual da garantia, que chega a elevadíssimos 30% do valor original do contrato, enquanto nas demais obras se atém a 5%, podendo chegar a 10% nos casos de maior complexidade do serviço.
Portanto, em qualquer obra ou serviço de engenharia o seguro-garantia poderá ser exigido e, caso o seja, haverá a previsão de RETOMADA. Isto significa que, no caso de inadimplemento por parte do contratado, a SEGURADORA assumirá a conclusão da obra ou serviço de engenharia.
Agora, pense! É possível imaginar que uma seguradora assuma a execução direta de uma obra ou serviço de engenharia? Evidentemente que não ! Não é de se cogitar que um empresa de seguros possua em sua folha recursos humanos, tecnologia e capacidade de assumir uma obra de qualquer vulto.
Naturalmente que, em casos de inadimplemento pelo contratado, a seguradora assumirá a obrigação e SUBCONTRATARÁ terceiro para execução do restante contratado.
Alguns especialistas já enxergam aqui a formação de um novo mercado, onde seguradoras e construtoras se unem em parcerias para execução de obras via subcontratação.
A possibilidade de a contratação de seguro-garantia ser obrigada traz consigo implicações na formação de pelo menos dois componentes importantes nas obras públicas: formação do BDI e Matriz de Riscos.
A QUESTÃO DO BDI

O BDI (Benefícios e Despesas Indiretas) é um percentual aplicado sobre o custo direto de uma obra ou serviço de engenharia, que tem o objetivo de cobrir os custos indiretos e incluir a margem de lucro da empresa contratada. No contexto do seguro-garantia, é importante considerar as implicações, cuidados e desdobramentos relacionados ao BDI. Vamos analisá-los:
- O seguro garantia pode afetar o cálculo do BDI, pois seu custo é considerado uma despesa indireta que pode ser incluída no percentual do BDI. Nesse caso, o valor do seguro garantia será adicionado ao custo da obra ou serviço, influenciando a composição do BDI.
- É fundamental que a empresa contratada inclua adequadamente o custo do seguro garantia no cálculo do BDI, garantindo a cobertura adequada e evitando desequilíbrios financeiros no contrato.
- O edital da licitação deve estabelecer claramente se o valor do seguro garantia será considerado no cálculo do BDI, evitando ambiguidades e dúvidas na interpretação das propostas dos licitantes.
- Desdobramentos:
- A inclusão do valor do seguro garantia no BDI pode afetar a competitividade das propostas apresentadas pelos licitantes, uma vez que influencia o custo total da obra ou serviço.
- A empresa contratada deve considerar que, durante a execução do contrato, o valor do seguro garantia pode ser atualizado ou renovado, o que pode gerar variações nos custos e no BDI ao longo do tempo.
- A administração pública deve estar atenta à adequada previsão e utilização do seguro garantia, fiscalizando sua contratação e verificando se a apólice está em conformidade com as exigências do edital e da legislação aplicável.
A questão da composição do BDI já é complicada mesmo antes dessa novidade quanto ao seguro-garantia. Portanto, deve-se ter em mente que não existe uma unanimidade sobre questões como:
- Há divergências sobre quais elementos devem compor o BDI, como custos indiretos, encargos sociais, riscos, entre outros. Alguns defendem que o BDI deve incluir apenas custos indiretos, enquanto outros argumentam que ele deve englobar outros elementos, como a margem de lucro. Essa questão é debatida com base na interpretação da legislação e nas orientações normativas.
- Cálculo do BDI: Outro ponto de debate é a forma de cálculo do BDI. Algumas posições sustentam que ele deve ser calculado sobre o custo direto total da obra ou serviço, enquanto outras defendem que ele deve ser calculado apenas sobre determinados itens, como mão de obra e materiais. A metodologia de cálculo adotada pode afetar o valor do BDI e, consequentemente, o preço final das propostas.
Já se vê que a inclusão do seguro-garantia num contexto já tumultuado pelo debate pode trazer mais incertezas que segurança no momento da formação da proposta.
A FORMAÇÃO DA MATRIZ DE RISCO. ANÁLISES, ESCLARECIMENTOS E IMPUGNAÇÕES

A matriz de risco é uma ferramenta utilizada para identificar, analisar e distribuir os riscos envolvidos no contrato de obra. Essa matriz é construída durante o processo licitatório e considera os diversos fatores que podem impactar a execução da obra, como condições climáticas, disponibilidade de recursos, interferências técnicas, entre outros. A matriz de risco permite a avaliação dos riscos potenciais e a definição de estratégias para mitigá-los.
No contexto do contrato administrativo de obra, a interação entre o seguro-garantia e a matriz de risco é de extrema importância. A matriz de risco auxilia na identificação dos eventos que podem desencadear o acionamento do seguro-garantia, uma vez que muitos desses eventos estão relacionados aos riscos mapeados. A partir da matriz de risco, é possível determinar a necessidade de cobertura para situações específicas, como atrasos na entrega da obra, falhas na qualidade, insolvência da contratada, entre outras eventualidades.
A determinação adequada do valor do seguro-garantia leva em consideração a análise dos riscos envolvidos na execução do empreendimento, bem como os potenciais impactos financeiros decorrentes desses riscos. Vamos explorar esse tema em mais detalhes:
- Identificação e análise de riscos: O primeiro passo é identificar os riscos relevantes associados à obra, levando em consideração fatores como condições climáticas, interferências técnicas, disponibilidade de recursos, entre outros. Essa identificação permite compreender os eventos que podem ocorrer durante a execução do contrato e que podem levar à necessidade de acionar o seguro-garantia.
- Avaliação dos impactos financeiros: Uma vez identificados os riscos, é necessário avaliar os potenciais impactos financeiros decorrentes de sua ocorrência. Por exemplo, atrasos na entrega da obra podem gerar custos adicionais, como multas contratuais ou a necessidade de contratação de serviços extras. Falhas na qualidade da obra podem demandar retrabalhos e correções, implicando custos adicionais para a administração pública.
- Definição do valor do seguro-garantia: Com base na análise dos riscos e seus impactos financeiros, é possível determinar o valor do seguro-garantia. Esse valor deve ser suficiente para cobrir os prejuízos decorrentes do descumprimento das obrigações contratuais pela empresa contratada. A legislação estabelece limites percentuais em relação ao valor do contrato para a definição do montante do seguro-garantia, mas é importante considerar se esses limites são adequados para cobrir os riscos específicos da obra em questão.
- Revisões ao longo do contrato: É fundamental destacar que a alocação de riscos e seus impactos no cálculo do valor do seguro-garantia podem ser reavaliados ao longo da execução do contrato. Eventos inesperados ou alterações nas condições podem exigir revisões no valor do seguro-garantia para assegurar a adequada cobertura dos riscos remanescentes.
A REGULAMENTAÇÃO
O seguro-garantia atualmente é regulamentado pela Circular SUSEP nº 662/2022. Nesta norma se encontram todos os detalhes daquilo que é preciso saber sobre a contratação do seguro.
Porém, vale destacar alguns pontos:
Art. 5º O Seguro Garantia garantirá as obrigações do objeto principal, para as quais o segurado demandar cobertura.
Perceba que o são cobertas as obrigações “para as quais o segurado demandar cobertura”, ou seja, é fundamental que a alocação de risco seja feita com cuidado no edital de licitação, a fim de que a contratação do seguro-garantia não sofra oneração desnecessária.
Lembrando que o segurado é o ente público; é a ele que se pretende proteger com o seguro. Portanto, é ele quem demandará os pontos do edital que pretende ver cobertos pela garantia.
A esse ponto deve se somar o seguinte:
Art. 6º O valor da garantia deve ser definido pelo segurado em consonância com a obrigação garantida e sua legislação específica.
Esse art. 6º deve ser lido conjuntamente com o anterior. É que as obrigações que o segurado demandar cobertura serão valoradas pelo próprio segurado, daí a necessidade de análise cuidadosa do que define o edital como objeto e como foram alocados os riscos do contrato administrativo.
E A IMPUGNAÇÃO ?

A impugnação do edital, nesse contexto do seguro-garantia, assume importância muito maior do que a que normalmente já possui.
Além de servir de instrumento para promover correções no edital quanto a vários aspectos jurídicos e técnicos, a impugnação ao edital de licitação se transforma no mecanismo de debate sobre alocação dos riscos e devidas quantificações.
Atualmente não é possível que os licitantes, sobretudo aqueles ligados ao setor de construção civil, infraestrutura e cessão de mão de obra, assumam uma postura relaxada quando diante do edital de licitação, acreditando na velha máxima segundo a qual “primeiro eu venço a disputa, depois vejo no que vai dar (!)”.
A impugnação é uma forma de entrar no debate sobre o objeto, os riscos alocados, seus valores e garantias e, quando utilizada tecnicamente, é útil para a própria Administração Pública que, assim, configura a contratação de acordo com um diálogo com os interessados, melhorando a composição de custos e ajustando as expectativas de contratação.
E é isso!
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