O reajuste de preços em contratos administrativos pode gerar algum debate, principalmente quando não suficiente e claramente definido no edital de licitação e no corpo do instrumento contratual.

A questão interessa, sobretudo, a obras públicas e serviços de engenharia, mas já vi complicações em praticamente todos os tipos de vendas/serviços ao governo, seja municipal estadual ou federal.

O problema mais agudo está em saber qual é o marco inicial do reajuste.

A velha fórmula de que os contratos são reajustados a cada 12 meses não é o bastante e, no mais das vezes, não representa uma recomposição efetivas dos preços contratados.

Vamos ver o que diz a Lei 8.666/93:

Art. 40.  O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

XI – critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela;

Parece simples: o marco inicial de cálculo pode se assentar sobre o momento em que o orçamento foi elaborado pela Administração Pública ou a ocasião da apresentação da proposta pelo licitante.

Mas existe outra lei que trata do assunto. E essa lei atrapalha bastante a vida da empresas contratadas. A lei 10.192/2001 determina:

Art. 2o É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.

§ 1o É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano.

A partir daí,  a maioria dos órgãos públicos tomam como data base para reajuste a assinatura do contrato. Daí, após o transcurso de um ano de execução, implementam o reajuste segundo o índice contratado.

Essa atitude tão comum aos gestores públicos ignora o art. 40 da Lei Geral de Licitações. Acontece que essa lei é notávelmente clara sobre como proceder o reajuste e, por se tratar especificamente de contratos administrativos, deve obrigatoriamente se sobrepor a qualquer outra lei geral, como a 10.192/2001.

O Tribunal de Contas da União decidiu recentemente:

Acórdão 1587/2023 Plenário (Auditoria, Relator Ministro Antonio Anastasia)

Contrato Administrativo. Reajuste. Prazo. Marco temporal. Proposta. Orçamento estimativo. Data. Assinatura.

É irregular reajuste contratual com prazo contado da assinatura do contrato, pois o marco a partir do qual se computa período de tempo para aplicação de índices de reajustamento é: i) a data da apresentação da proposta ou a do orçamento a que a proposta se referir, de acordo com o previsto no edital (art. 40, inciso XI, da Lei 8.666/1993); ou então ii) a data do orçamento estimado (art. 25, § 7º, da Lei 14.133/2021 – nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos).

É preciso chamar atenção para o seguinte trecho da decisão:

A interpretação sistemática do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, do art. 3º, § 1º, da Lei 10.192/2001 e do art. 40, inciso XI, da Lei 8.666/1993 indica que o marco inicial, a partir do qual se computa o período de um ano para a aplicação de índices de reajustamento previstos em edital, é a data da apresentação da proposta ou a do orçamento a que a proposta se referir, de acordo com o previsto no edital”. “

Portanto, o marco inicial é a, preferencialmente, a data do orçamento estimativo da licitação. É isso: claro e simples.

Vale a pena destacar que a decisão acima foi tirada de uma impugnação onde a empresa questionava o edital ainda antes da participação no processo licitatório. Um ótimo exemplo do manejo de instrumentos legais com objetivos estratégicos, coisa que sempre recomendo por aqui.

  • Autor: Flávio Lavareda
  • CEO da BRAVO Consultoria Online
  • Licitações | Contratos

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Acontece muitas vezes. Uma licitação pública ocorre e um dos interessados, após analisar a formação de custos do adversário, grita (ou recorre, como sempre recomendamos por aqui, claro): “Olha lá! O valor do insumo X está 1,5 vezes acima do valor médio de mercado, enquanto o insumo Y se apresenta pela metade do valor real. Jogo de planilha! Tem que desclassificar a proposta imediatamente!”

Calma, veloz. As coisas não são bem assim.

Em contratações onde se avalia a oferta pelo preço global, não faz muito sentido discutir miudezas dos custos unitários. Melhor dizendo, até faz sentido, mas é preciso uma observação importante – e preciosa – antes de sair por aí rodando a baiana.

O segredo é o seguinte: valor acima e abaixo devem ser compensados, para que se verifique quanto vale o todo, ou seja, o preço global. Este último é que indicará a existência de sobrepreço.

– “Então os custos unitários não são importantes?” você perguntaria.

Claro que são, tanto é que a composição desses custos deve ser demonstradas em licitações de determinados objetos, como prestação de serviços com cessão de mão de obra, serviços de engenharia e outras. Porém, a maior relevância dessas demonstrações está no futuro, não no momento da competição em si.

Explico.

A composição de custos unitários é parte integrante da proposta comercial e, em serviços de natureza continuada (temos texto aqui sobre o que é isso), será a base para aplicação de reajustes e revisões contratuais (também já falamos sobre esse assunto).

Ou seja: na hora de prorrogar (ou renovar, como muitos costumam dizer) o contrato, os índices de reajuste e eventual reequilíbrio levarão em conta essa composição de custos, unidade a unidade. Nos casos de engenharia, existe até fórmula para isso, e curvas de custos mais relevantes para aplicação de  variáveis (falaremos sobre isso no futuro). 

Porém, na hora do recebimento das propostas comerciais, o importante é fixar no valor global, já que as unidades de custo podem variar para cima ou para baixo, atendendo às condições comerciais de cada proponente.

Claro que você pode recorrer para a Comissão de Licitação apontando falhas na proposta, entre elas a variação dos preços unitários. Nesse caso, recomendamos focar o recurso nas eventuais consequências futuras da contratação (ou seja, o momento da prorrogação do contrato), mais que na proposta em si mesma, pois, conforme o Tribunal de Contas da União já decidiu:

Acórdão 1377/2021 Plenário (Representação, Relator Ministro Jorge Oliveira)

Contrato Administrativo. Superfaturamento. Metodologia. Preço global. Preço unitário. Subpreço. Sobrepreço. Compensação.

Não é possível imputar débito com base em sobrepreço de itens isolados da planilha contratual. A aferição quanto à adequabilidade do preço contratado deve perpassar por uma avaliação mais abrangente da avença, permitindo-se, em geral, compensações de itens com sobrepreço e itens com subpreço. Ao final, se os preços globais contratados estiverem aderentes às práticas de mercado, deve-se sopesar se as distorções pontuais identificadas representam risco para a Administração (potencial jogo de planilha, por exemplo), e se adotar medidas para mitigá-las.

O TCU entendeu, no caso acima, que sobrepreço e subpreço devem ser compensados com vistas no valor global que, por fim, deve estar compatível com o praticado no mercado. Após essa operação, o órgão público deve verificar se distorções pontuais representam risco para a Administração Pública.

Voltaremos a tratar desse assunto em breve, dada sua importância e a grande quantidade de perguntas que recebemos sobre planilha de custos e formação de preços.

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