
É quase certo que você, microempreendedor individual (MEI), já pensou em participar de licitações públicas. E é muito bom que tenha pensado nisso, afinal, o setor público é o maior comprador do país, e ficar fora desse mercado gigantesco não é uma escolha inteligente.
Mas o MEI pode participar de licitações públicas ? Eis aí uma pergunta frequente, pois são raros os editais de licitação que contém expressamente a possibilidade de participação de MEI’s na disputa. Geralmente faz-se apenas menção às micro e pequenas empresas e todas aqueles benefícios que elas possuem em termos de documentos, condições de desempate, reserva de cotas, etc.
A boa notícia é que o microempreendedor individual também pode participar de licitações públicas.
Outra boa notícia: participar da licitação com os mesmos benefícios assegurados às pequenas e médias empresas !
Sim! Dizemos isso porque a Lei Complementar 123/2006 estabelece claramente o seguinte:
Art. 18-E. O instituto do MEI é uma política pública que tem por objetivo a formalização de pequenos empreendimentos e a inclusão social e previdenciária.
§ 2o Todo benefício previsto nesta Lei Complementar aplicável à microempresa estende-se ao MEI sempre que lhe for mais favorável.
Porém, participar de licitações públicas é possível, sempre lembrando que os interessados devem cuidar para conhecer a legislação, o edital, seu próprio ramo de atividade (claro!) e ficarem atentos a requisitos específicos ligados a documentação e qualificação técnica. Aqui no blog existe uma série de textos que procuram ajudar os iniciantes no campo das contratações públicas. Sugerimos alguns:
- QUALIFICAÇÃO TÉCNICA OPERACIONAL E EXPERIÊNCIA MÍNIMA
- PARCELAMENTO DO OBJETO DA LICITAÇÃO
- O QUE O GOVERNO COMPRA?
Pois bem, já que a participação do MEI em licitações públicas está clara, vamos mergulhar no assunto específico deste post que é a questão do balanço patrimonial para comprovação da capacidade econômico-financeira.
A capacidade econômico-financeira é exigida nas licitações públicas para que o órgão contratante possa verificar se a empresa possui saúde financeira suficiente para enfrentar a contratação. É, portanto, uma forma com que a Administração Pública tenta garantir a execução do futuro contrato.
A Lei 8.666/93 estabelece instrumentos de aferição dessa capacidade. A partir deles, o órgão público pode verificar a situação econômica e financeira da empresa de modo a obter algum grau de segurança para o negócio que pretende estabelecer.
De forma resumida, o setor público observa o seguinte:
I – balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta;
II – certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física;
III – garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no “caput” e § 1o do art. 56 desta Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação.
Mas aí surge um problema: o MEI não está obrigado a manter balanço patrimonial.
Voltemos à lei:
Art. 27. As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional poderão, opcionalmente, adotar contabilidade simplificada para os registros e controles das operações realizadas, conforme regulamentação do Comitê Gestor.
E o Código Civil determina o seguinte:
Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.
§ 2 o É dispensado das exigências deste artigo o pequeno empresário a que se refere o art. 970.
Dissemos antes que a LC 123 favorece os microempreendedores individuais nos mesmos termos que beneficia microempresas. Logo, se estas estão dispensadas de registrar balanços, o MEI também está.
Uma conclusão apressada diria que, então, o MEI, quando for participar de uma licitação pública, está dispensado de apresentar balanço patrimonial e demonstrações contábeis, já que a lei das microempresas não o obriga a isso.
Certo?
Errado.
O Tribunal de Contas da União (TCU), assim como todos os demais tribunais de contas do país, entende que a licitação pública é regida por lei específica e, devido a essa especialidade, exclui a aplicação da lei geral, que no caso seria a LC 123/2006.
Veja essa decisão recente do TCU:
Para participação em licitação regida pela Lei 8.666/1993, o microempreendedor individual (MEI) deve apresentar, quando exigido para fins de qualificação econômico-financeira, o balanço patrimonial e as demonstrações contábeis do último exercício social (art. 31, inciso I, da Lei 8.666/1993), ainda que dispensado da elaboração do referido balanço pelo Código Civil (art. 1.179, § 2º, da Lei 10.406/2002).
“Portanto, ainda que o MEI esteja dispensado da elaboração do balanço patrimonial, para participação em licitação pública, regida pela Lei 8666/1993, quando exigido para fins de comprovação de sua boa situação financeira, deverá apresentar o balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, conforme previsto no art. 31, inciso I, da Lei 8666/1993”(Acórdão 133/2022 Plenário, Representação, Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues.)
Sinceramente, não concordamos com o entendimento dos tribunais de contas. Para nós, o fundamento superior para beneficiar microempreendedores individuais e microempresas, facilitando-lhes o acesso aos mercados, está fundamentado na Constituição Federal. Além disso, a LC 123 é lei com roupagem de norma nacional, que deve orientar as demais leis em vigor a fim de conferir-lhes eficácia e validade, delineando um campo e apontando uma direção de interpretação. Logo, pouco importa a especialidade da lei geral de licitações, posto que o fundamento de inclusão no mercado tem substrato em normas superiores,
Dito isso, é importante, para fins práticos, que o microempreendedor individual fique ciente de que, para participar de licitações públicas, será fundamental manter balanço patrimonial e demonstrações contábeis, sob pena de ser inabilitado da competição.
Outra advertência importante diz respeito à forma como a capacidade econômico-financeira costuma ser exigida nos editais de licitação. Na maioria das vezes, o que se vê são editais feitos a partir de modelos que servem para todas as modalidades e tipos de licitação, e também para qualquer que seja aquilo que se pretende contratar.
Assim, é fundamental que o MEI (e a microempresa) saiba manejar instrumentos como o pedidos de esclarecimentos e a impugnação para garantir que as exigências do edital não extrapolem os limites fixados na legislação, causando um efeito impeditivo para a participação dessas empresas.
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