A Lei das Estatais desenha uma metodologia própria de licitações um pouco diferente daquela que vemos na Lei 8.666/93.
Na verdade, a Lei 13.303/2023 é, em muitos aspectos, mais moderna em seus procedimentos que a Lei Geral. Isso não somente por que é mais nova, mas sobretudo em razão da opção por metodologias mais modernas de aquisição e contratação por entes públicos. Tanto é assim que a Nova Lei de Licitações que entrará em vigor em Dezembro/2023 sorveu muitos de seus dispositivos, e quase a totalidade de sua lógica.
Uma particularidade importante da lei das estatais está na qualificação técnica dos licitantes. Vejamos:
Art. 58. A habilitação será apreciada exclusivamente a partir dos seguintes parâmetros:
I – exigência da apresentação de documentos aptos a comprovar a possibilidade da aquisição de direitos e da contração de obrigações por parte do licitante;
II – qualificação técnica, restrita a parcelas do objeto técnica ou economicamente relevantes, de acordo com parâmetros estabelecidos de forma expressa no instrumento convocatório;
III – capacidade econômica e financeira;
IV – recolhimento de quantia a título de adiantamento, tratando-se de licitações em que se utilize como critério de julgamento a maior oferta de preço.
O inciso II é o que tratamos brevemente aqui.
Veja que o inciso II ultrapassa em muito seu correspondente na lei 8.666/93 na medida em que tem conteúdo mais elástico, deixando que a estatal praticamente desenhe um critério próprio de avaliar a qualificação técnica de acordo com cada objeto licitado particularmente.
Bom para áreas altamente tecnológicas, mas um tormento para licitantes de setores, digamos, “comuns”.
O TCU decidiu:
Licitação. Empresa estatal. Qualificação técnica. Avaliação de desempenho. Licitante.
É possível, para fins de qualificação técnica em licitações realizadas por empresas públicas e sociedades de economia mista, a utilização de indicadores de avaliação de desempenho de licitantes na execução de contratos anteriores com a entidade promotora do certame, desde que prevista no instrumento convocatório e restrita às parcelas do objeto técnica ou economicamente relevantes (art. 58 da Lei 13.303/2016 – Lei das Estatais).
Acórdão 1312/2023 Plenário (Representação, Relator Ministro Jorge Oliveira)
A aplicação do inciso II do art. 58 da Lei 1303/2016, nesse ponto, foi muito bem-vinda. Afinal, numa disputa onde o fator determinante é o menor preço, muitas vezes um prestador de serviços ou fornecedor mal avaliado pelo órgão licitante a partir de contratações anteriores junto ao mesmo órgão, pode se sagrar vencedor, não atendendo aos fins desejados pela estatal que, dado se tratar de empresa cujos serviços estão reconhecidamente aquém da qualidade desejada, através de constatação empírica.
Contudo, é importante destacar que, a meu ver, isso somente pode ocorrer se, na vigência do contrato anterior, foi instaurado um processo administrativo com aplicação de penalidade. Caso contrário, a sujeição à subjetividade dos agentes públicos pode apontar a escolha para a ilegalidade.
Todo mundo já ouviu falar em superfaturamento e sobrepreço, sempre num contexto onde as licitações públicas estão envolvidas.
O noticiário sempre nos mostra um escândalo onde em um município qualquer foram adquiridos materiais com preço superior ao praticado no mercado, ou que determinada obra custou muitas vezes mais o preço original orçado, e por aí vai.
Mas vamos tentar estabelecer uma diferenciação.
Sobrepreço tem a ver com o orçamento, a cotação realizada pelo órgão licitante. Desta forma, o valor se apresenta superior ao praticado no mercado já desde o início da licitação, ou seja, a própria Administração Pública estimou determinado produto ou serviço com preço superior ao praticado no mercado.
O superfaturamento, por sua vez, se insere no contrato. Aqui a licitação já passou, o contrato foi assinado e, agora, o valor elevado é oriundo da execução contratual. Assume a forma de um gasto não previsto, a entrega parcial do objeto contratado, etc.
Assim, temos:
SOBREPREÇO ——————————– LICITAÇÃO
SUPERFATURAMENTO ——————– CONTRATO
O sobrepreço pode ser controlado até mesmo pelos licitantes interessados em competir. Através de impugnações e recursos, uma empresa pode demonstrar ao órgão público que aquela licitação levou em consideração valores que não expressam a realidade dos preços de mercado.
O superfaturamento já exige muito mais cuidado, pois, como dissemos, está ligado à execução contratual e depende de fiscalização competente, controle prévio e observação dos projetos iniciais que antecedem às contratações.
Normalmente é no superfaturamento (contrato) que residem os maiores problemas das contratações públicas, assim como as mais escandalosas notícias que recebemos dos jornais.
Da próxima vez que você ouvir a expressão “licitação superfaturada”, já sabe: provavelmente se trata de falhas na execução do contrato.
O General Sun Tzu, que viveu entre 544 e 496 a.c, foi um grande filósofo da estratégia militar chinesa. Dizem que ele desenvolveu uma metodologia de análise das condições de batalha capaz de colocar seus inimigos de joelhos, quando sobreviviam, claro.
Entre os métodos de Sun Tzu, um dos mais conhecidos (e copiados até hoje por militares modernos), centrava-se no conhecimento do terreno de combate. A partir das informações dadas pelo campo de batalha, Tzu definia onde postar sua cavalaria, empregar as espadas de seus guerreiros, posicionar melhor seus samurais e, mais importante, o momento exato de ativar isso tudo, cada um por vez, para alcançar seu objetivo.
“Sim”, você perguntaria, “mas o que tudo isso tem a ver com pregões eletrônicos?”
Bem, se você está se perguntando onde esconder suas espadas ou descansar o cavalo para iniciar a sessão, nada!
Mas pense no terreno.
Agora a coisa começa a fazer sentido. Vamos lá!
O pregão eletrônico é uma modalidade de licitação que se desenvolve, basicamente, num modo de leilão invertido: os preços vão reduzindo à medida que os interessados vão alternando lances até alcançarem o menor valor possível e, com isso, oferecerem ao órgão público comprador o menor preço e, assim, a contratação mais vantajosa para os surrados cofres da administração.
Esse pregão é realizado em uma plataforma virtual. A ideia é fazer com que o maior número possível de interessados participe da competição. Então pode acontecer de, por exemplo, empresas de Porto Alegre – RS participarem de pregão eletrônico para venda de produtos em Quixadá – CE. E a ideia é esta mesmo: ampliar o número de competidores para provocar maior combate pela contratação e, consequentemente, menores preços.
CONHECENDO O TERRENO. MODOS DE DISPUTA. ABERTO E ABERTO E FECHADO.
O pregão eletrônico exige que os lances oferecidos pelas empresas licitantes sejam enviados através de um sistema virtual que garante a segurança das informações.
Não vamos entrar em todos os detalhes desse sistema aqui, mas é importante mencionar que as plataformas de realização de pregões eletrônicos não permitem que os competidores conheçam documentos uns dos outros, ou mesmo que se conheçam uns aos outros. Estas informações somente estarão acessíveis ao final do pregão, para que seja viabilizada a oportunidade de recursos, etc.
Continuando, a competição, no pregão eletrônico, se desenvolve em dois terrenos distintos: o modo aberto e o modo fechado. Vamos conhecer um pouco de cada um.
PREGÃO ELETRÔNICO ABERTO
Esse é o método de leilão invertido comum. Os licitantes se alternam reduzindo preços até o limite do possível, considerando que este possível se refere a particularidades de cada fornecedor individualmente.
No modo de disputa aberto, o edital prevê intervalo mínimo de diferença de valores ou de percentuais entre os lances.
Um pouquinho de legislação: a lei 10.024/2019 diz que a etapa de envio de lances na sessão pública durará dez minutos e, após isso, será prorrogada automaticamente pelo sistema quando houver lance ofertado nos últimos dois minutos do período de duração da sessão pública. Esta prorrogação automática da etapa de envio de lances será de dois minutos e ocorrerá sucessivamente sempre que houver lances enviados neste período de prorrogação.
Resumindo: o último lance demora dois minutos para “vingar”. Se em dois minutos ninguém cobrir o valor que você ofereceu, pode guardar a espada, sacudir a poeira e correr pro abraço; você apresentou a melhor proposta comercial e agora deve começar a se preocupar com a fase de habilitação (que já abordamos diversas vezes em outros posts).
Claro que ainda pode acontecer alguma coisa que lhe tire a vitória das mãos, porém nossa intenção aqui é desenhar o terreno, a estratégia continua sendo sua.
Já dá pra ver que o negócio aqui é redução de preços pura e simples. Luta por milímetros de terreno, ocupação de espaços ocupados pelo “inimigo” através de cansaço, redução obstinada do valor de acordo com o mínimo estipulado pelo edital de licitação, centavo a centavo, uma verdadeira batalha de paciência.
Existem também aqueles licitantes que optam por dar uma ceifada brutal logo de início pra ver se já corta um monte de cabeças, digo, concorrentes de uma só vez. É o caso de os lances começarem em 1.000 e a empresa, de cara, oferecer 500. Isso faz muito samurai de primeira batalha embainhar a espada e voltar pra casa.
Outros preferem ir reduzindo pouco a pouco, testando a paciência dos adversários até que, bang!, dão o golpe decisivo, numa redução abrupta e inesperada que pega os demais de calça, ou melhor, armadura na mão. Tipo, 1000, 990, 980, 970….420, 410. Isso acaba com a moral da tropa, realmente.
PREGÃO ELETRÔNICO ABERTO E FECHADO
O pregão eletrônico no modo aberto e fechado é motivo de irritação de muita gente. É que nesse caso existe, sim, uma sensação de descontrole que requer muito, mas muito cuidado de todos os participantes.
Essa modalidade se inicia como a anterior, um combate desenvolvido a partir das estratégias de cada licitante; um uso calculado de suas melhores armas; avaliação do momento certo e da intensidade adequada de cada golpe; quando, de repente, o céu escurece, a terra treme, os ventos se agitam e pronto! temos o famigerado momento do lance fechado.
Nessa hora não tem mais conversa, é tiro, porrada e bomba, cada um por si, luta de foice dentro do elevador. Sanguinolência pura.
O pregão eletrônico aberto e fechado é assim: os licitantes enviam os lances para o sistema normalmente e a disputa começa. A coisa toda se desenvolve como no modelo aberto, com os competidores baixando preços segundo suas condições e possibilidades. Isso dura quinze minutos e é a parte administrável da batalha.
Depois desses quinze minutos, o sistema informa que haverá o fechamento dos lances. É como uma trombeta ecoando para anunciar o apocalipse licitatório. Daí a dez minutos o céu vai arder.
Então vem o lance fechado. O licitante com menor lance na fase aberta, e todos aqueles com valores até 10% maiores que aquele (normalmente o sistema já indica quem são) podem apresentar um único e último lance.
Pausa para o suspense.
Você se programou durante dias para guerrear pelo contrato (venda), planejou minuciosamente cada redução de preços pensando em sua margem de lucro, negociou com fornecedores, olhou para o estoque, calculou frete, depreciação, impostos, valor agregado, tudo que um excelente espadachim dos negócios deveria fazer. Tudo isso escapou de suas mãos em dez minutos. Você vê a vida lhe passar diante dos olhos, campos verdejantes, sente a brisa da infância quando corria sem compromisso pelas ruas, revisita os sonhos da juventude… Acorda! Tá na hora de vencer mais uma guerra, amigo.
Chegou o momento do lance final. Ele definirá que será o feliz vencedor da contenda, ele mostrará a todos aquele guerreiro melhor preparado, possuidor da espada mais afiada, do martelo mais pesado, da artilharia mais incendiária.
Enfim…
Mostrará quem consegue reduzir ao máximo o preço. Isso de uma única vez, sem enrolação, sem disputa estratégica, sem choro nem vela.
Já participamos de pregões em que nenhuma empresa ofereceu lance na fase aberta. Ficaram todos esperando o sistema anunciar o fechamento para dar o golpe final e experimentar a sorte. Isto acontece muitas vezes.
Porém, existem licitantes que já reduzem o preço na fase aberta para “sentirem o terreno” e testarem a “dureza” das armaduras adversárias para, no momento em que o sistema anuncia o lance fechado, reduzirem menos do que poderiam. Pode dar certo.
Essa última estratégia costuma colher melhores resultados na medida em que tem maiores condições de eliminar os kamikases e aventureiros aos poucos, dentro dos primeiros 10 minutos de competição.
Mas não há garantias.
A verdade é que sempre orientamos nosso parceiros a respeitarem seus próprios limites e evitarem Maldição do Vencedor.
O Pregão Eletrônico é uma modalidade de disputa que pode ferir susceptibilidades. É comum que licitantes mais entusiasmados avancem sem proteção na retaguarda para a frente de combate, comprometendo suas possibilidades de garantir um contrato sustentável.
É, por fim, um combate. E, como em todo combate, é melhor não perder a cabeça.
Quer participar de licitações de forma segura e competitiva? Fale com a gente clicando
É quase certo que você, microempreendedor individual (MEI), já pensou em participar de licitações públicas. E é muito bom que tenha pensado nisso, afinal, o setor público é o maior comprador do país, e ficar fora desse mercado gigantesco não é uma escolha inteligente.
Mas o MEI pode participar de licitações públicas ? Eis aí uma pergunta frequente, pois são raros os editais de licitação que contém expressamente a possibilidade de participação de MEI’s na disputa. Geralmente faz-se apenas menção às micro e pequenas empresas e todas aqueles benefícios que elas possuem em termos de documentos, condições de desempate, reserva de cotas, etc.
A boa notícia é que o microempreendedor individual também pode participar de licitações públicas.
Outra boa notícia: participar da licitação com os mesmos benefícios assegurados às pequenas e médias empresas !
Sim! Dizemos isso porque a Lei Complementar 123/2006 estabelece claramente o seguinte:
Art. 18-E. O instituto do MEI é uma política pública que tem por objetivo a formalização de pequenos empreendimentos e a inclusão social e previdenciária.
§ 2oTodo benefício previsto nesta Lei Complementar aplicável à microempresa estende-se ao MEI sempre que lhe for mais favorável.
Porém, participar de licitações públicas é possível, sempre lembrando que os interessados devem cuidar para conhecer a legislação, o edital, seu próprio ramo de atividade (claro!) e ficarem atentos a requisitos específicos ligados a documentação e qualificação técnica. Aqui no blog existe uma série de textos que procuram ajudar os iniciantes no campo das contratações públicas. Sugerimos alguns:
Pois bem, já que a participação do MEI em licitações públicas está clara, vamos mergulhar no assunto específico deste post que é a questão do balanço patrimonial para comprovação da capacidade econômico-financeira.
A capacidade econômico-financeira é exigida nas licitações públicas para que o órgão contratante possa verificar se a empresa possui saúde financeira suficiente para enfrentar a contratação. É, portanto, uma forma com que a Administração Pública tenta garantir a execução do futuro contrato.
A Lei 8.666/93 estabelece instrumentos de aferição dessa capacidade. A partir deles, o órgão público pode verificar a situação econômica e financeira da empresa de modo a obter algum grau de segurança para o negócio que pretende estabelecer.
De forma resumida, o setor público observa o seguinte:
I – balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta;
II – certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física;
III – garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no “caput” e § 1o do art. 56 desta Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação.
Mas aí surge um problema: o MEI não está obrigado a manter balanço patrimonial.
Voltemos à lei:
Art. 27. As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional poderão, opcionalmente, adotar contabilidade simplificada para os registros e controles das operações realizadas, conforme regulamentação do Comitê Gestor.
E o Código Civil determina o seguinte:
Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.
§ 2 o É dispensado das exigências deste artigo o pequeno empresário a que se refere o art. 970.
Dissemos antes que a LC 123 favorece os microempreendedores individuais nos mesmos termos que beneficia microempresas. Logo, se estas estão dispensadas de registrar balanços, o MEI também está.
Uma conclusão apressada diria que, então, o MEI, quando for participar de uma licitação pública, está dispensado de apresentar balanço patrimonial e demonstrações contábeis, já que a lei das microempresas não o obriga a isso.
Certo?
Errado.
O Tribunal de Contas da União (TCU), assim como todos os demais tribunais de contas do país, entende que a licitação pública é regida por lei específica e, devido a essa especialidade, exclui a aplicação da lei geral, que no caso seria a LC 123/2006.
Veja essa decisão recente do TCU:
Para participação em licitação regida pela Lei 8.666/1993, o microempreendedor individual (MEI) deve apresentar, quando exigido para fins de qualificação econômico-financeira, o balanço patrimonial e as demonstrações contábeis do último exercício social (art. 31, inciso I, da Lei 8.666/1993), ainda que dispensado da elaboração do referido balanço pelo Código Civil (art. 1.179, § 2º, da Lei 10.406/2002).
“Portanto, ainda que o MEI esteja dispensado da elaboração do balanço patrimonial, para participação em licitação pública, regida pela Lei 8666/1993, quando exigido para fins de comprovação de sua boa situação financeira, deverá apresentar o balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, conforme previsto no art. 31, inciso I, da Lei 8666/1993”(Acórdão 133/2022 Plenário, Representação, Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues.)
Sinceramente, não concordamos com o entendimento dos tribunais de contas. Para nós, o fundamento superior para beneficiar microempreendedores individuais e microempresas, facilitando-lhes o acesso aos mercados, está fundamentado na Constituição Federal. Além disso, a LC 123 é lei com roupagem de norma nacional, que deve orientar as demais leis em vigor a fim de conferir-lhes eficácia e validade, delineando um campo e apontando uma direção de interpretação. Logo, pouco importa a especialidade da lei geral de licitações, posto que o fundamento de inclusão no mercado tem substrato em normas superiores,
Dito isso, é importante, para fins práticos, que o microempreendedor individual fique ciente de que, para participar de licitações públicas, será fundamental manter balanço patrimonial e demonstrações contábeis, sob pena de ser inabilitado da competição.
Outra advertência importante diz respeito à forma como a capacidade econômico-financeira costuma ser exigida nos editais de licitação. Na maioria das vezes, o que se vê são editais feitos a partir de modelos que servem para todas as modalidades e tipos de licitação, e também para qualquer que seja aquilo que se pretende contratar.
Assim, é fundamental que o MEI (e a microempresa) saiba manejar instrumentos como o pedidos de esclarecimentos e a impugnação para garantir que as exigências do edital não extrapolem os limites fixados na legislação, causando um efeito impeditivo para a participação dessas empresas.
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Todos os dias recebemos questionamentos a respeito da exigência de atestados de capacidade técnica que demonstrem a execução anterior de quantitativos mínimos em obras e serviços.
Pior: muitas perguntas são formuladas a nossa equipe sobre essa exigência de quantitativos mínimos também ser aplicada ao Responsável Técnico (RT) da obra ou do serviço objeto da licitação.
Afinal, podem ser exigidos atestados de capacidade técnica com quantitativos mínimos para obras e serviços?
A resposta passa por definir, rapidamente, o que é qualificação técnica operacional e profissional.
A capacidade técnica operacional se refere a empresa licitante. É documento que comprova que a pessoa jurídica já executou obra ou serviço semelhante ao que pede o edital de licitação.
A Lei 8.666/93 estabelece o seguinte: (art. 30, II):
“II – comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;”
A nova lei de licitações (14.133/2021) apresenta texto que deixa tudo mais claro:
Art. 67, II – certidões ou atestados, regularmente emitidos pelo conselho profissional competente, quando for o caso, que demonstrem capacidade operacional na execução de serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior, bem como documentos comprobatórios emitidos na forma do § 3º do art. 88 desta Lei;”
Note que a nova lei refere expressamente À “capacidade operacional”, coisa que a 8.666/93 nunca fez.
Porém, o entendimento deve ser o mesmo: capacidade operacional é capacidade da empresa licitante, é experiência anterior comprovada.
Assim, o Tribunal de Contas da União considera, já há alguns anos, plenamente compatível com o dispositivo da lei a exigência de quantitativos mínimos de empresas licitantes, desde que limitados a 50% do objeto.
Agora, quando se trata de capacidade profissional, a situação é diferente. Esta se refere à experiência do responsável técnico, pessoa física que assina e garante a “expertise” para a condução dos serviços a serem prestados.
De acordo com a Lei 8.666/93. temos o seguinte:
Capacitação técnico-profissional: comprovação do licitante de possuir em seu quadro permanente, na data prevista para entrega da proposta, profissional de nível superior ou outro devidamente reconhecido pela entidade competente, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, limitadas estas exclusivamente às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação, vedadas as exigências de quantidades mínimas ou prazos máximos; (Art. 30, §1º, I)
Portanto, se nos atermos à literalidade da lei, não poderemos considerar possível a exigência de quantitativos mínimos em atestados de capacidade técnica profissional, ou seja, o RT não precisará comprovar que reúne experiência anterior referente a métricas mínimas dos serviços e/ou obras que são objeto da licitação.
Porém, o TCU vem repetidamente em suas decisões acolhendo a tese de que é possível, sim, exigir quantitativos mínimos em atestados de capacidade técnica profissional. Tome-se como exemplo a seguinte decisão:
Não afronta o art. 30, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666/1993 a exigência de atestados com quantitativo mínimo, para fins de comprovação de capacitação técnico-profissional, quando este quantitativo reflita características intrínsecas a cada contrato mencionado nos atestados e quando o objeto licitado for de natureza predominantemente intelectual, dificultando, por conseguinte, a aferição dessa capacitação (Acórdão nº 3.070/2013 )
A Lei 14.133/2021 modifica a 8.666/93 para acolher esse entendimento do Tribunal de Contas da União.:
Art. 67. A documentação relativa à qualificação técnico-profissional e técnico-operacional será restrita a:
I – apresentação de profissional, devidamente registrado no conselho profissional competente, quando for o caso, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, para fins de contratação;
§ 2º Observado o disposto no caput e no § 1º deste artigo, será admitida a exigência de atestados com quantidades mínimas de até 50% (cinquenta por cento) das parcelas de que trata o referido parágrafo, vedadas limitações de tempo e de locais específicos relativas aos atestados.
Portanto, a exigência de atestado de capacidade técnica profissional com referência a quantitativos mínimos é prática autorizada pelo TCU ainda na vigência da Lei 8.666/93, fazendo parte do entendimento consolidado do tribunal.
A nova lei, por sua vez, absorveu o entendimento do TCU e fez constar expressamente a possibilidade da exigência de quantitativos mínimos para comprovação de qualificação técnica profissional, limitados a 50% do objeto licitado.
Agora, quanto a eventuais exageros ou abusos, é preciso verificar caso a caso. Pois é correto deduzir que nem todas as obras e serviços demandam um tamanho nível de especialização e experiência, podendo esta configurar redução da competitividade na licitação.
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Muito se tem debatido com respeito à apresentação de novos documentos relativos à habilitação de pessoas jurídicas em processos licitatórios.
Via de regra, o envelope contendo a habilitação dos licitantes deve ser entregue à comissão de licitação de forma lacrada, para conferência e, após a entrega, fica proibida a apresentação de novos documentos com o objetivo de comprovar a habilitação para a disputa.
A Lei 8.666/93 pode passar a falsa impressão de que a apresentação de novos documentos é absolutamente vedada. Vejam só:
Art. 43 § 3o É facultada à Comissão ou autoridade superior, em qualquer fase da licitação, a promoção de diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta.
A leitura do art. 43 deve seguir a linha que melhor prestigia o procedimento licitatório em seus princípios, notadamente os relativos à ampla participação e da proposta mais vantajosa.
Tanto é assim que o Tribunal de Contas da União apresentou interpretação no sentido de que a vedação da inclusão de novos documentos “deve se restringir ao que o licitante não dispunha materialmente no momento da licitação”. Desse modo, caso o documento ausente “se refira a condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, e não foi entregue juntamente com os demais comprovantes de habilitação ou da proposta por equívoco ou falha, haverá de ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro”.
Percebam que a decisão é clara: “haverá de ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro”. Logo, é ato de ofício do pregoeiro, que atua independentemente de requerimento do licitante interessado.
(…) a juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação, resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do processo (meio) sobre o resultado almejado (fim).” Acórdão nº 1211/2021
A Nova Lei de Licitações nº 14.133/2021 trata de outra maneira a situação:
“Art. 64. Após a entrega dos documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos, salvo em sede de diligência, para:
I – complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame;
II – atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas.
§ 1º Na análise dos documentos de habilitação, a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins de habilitação e classificação.
§ 2º Quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento e já tiver sido encerrada, não caberá exclusão de licitante por motivo relacionado à habilitação, salvo em razão de fatos supervenientes ou só conhecidos após o julgamento.”
Sobre a nova lei, o TCU, naquela mesma decisão que transcrevemos acima, se manifestou no seguinte sentido:
“O art. 64 da Lei 14.133/2021 deixa salvaguarda a possibilidade de diligência para a complementação de informações necessárias à apuração de fatos existentes à época da abertura do certame, o que se alinha com a interpretação de que é possível e necessária a requisição de documentos para sanear os comprovantes de habilitação ou da proposta, atestando condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame.” (destaques no original) E finalizou citando exemplo: “Assim, nos termos dos dispositivos citados, inclusive do art. 64 da Lei 14.133/2021, entendo não haver vedação ao envio de documento que não altere ou modifique aquele anteriormente encaminhado. Por exemplo, se não foram apresentados atestados suficientes para demonstrar a habilitação técnica no certame, talvez em razão de conclusão equivocada do licitante de que os documentos encaminhados já seriam suficientes, poderia ser juntado, após essa verificação no julgamento da proposta, novos atestados de forma a complementar aqueles já enviados, desde que já existentes à época da entrega dos documentos de habilitação.”
Portanto, tanto diante da lei 8.666/93, quanto em face da 14.133/2021, a apresentação de novos documentos deve ser admitida, desde que para comprovação de fatos pré-existentes, ou seja, existentes à época da abertura da licitação.
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Recentemente um parceiro nos procurou indignado. Segundo ele nos disse, havia participado de uma licitação onde duas empresas, com sócios em comum, se apresentavam como competidores distintos.
– Isso é um absurdo completo ! Esbravejou o parceiro, nitidamente transtornado com a “injustiça”, o que nos permitiu concluir que ele perdeu a licitação. – “Vocês precisam fazer alguma coisa; não dá pra participar de licitações diante de um favorecimento tão claro como esse !”, continuou.
Após analisar todos os documentos, constatamos que o caso era de formação de GRUPO ECONÔMICO, na forma de identidade entre os sócios de empresas diferentes agindo, naquela licitação específica, como empresas distintas apresentando interesses próprios e agindo como competidoras entre si.
A coisa toda gera, sim, alguma estranheza entre os demais licitantes e até mesmo entre integrantes do órgão licitante.
Porém, é preciso lembrar que o Tribunal de Contas da União (TCU) possui uma decisão relevante sobre esse assunto.
A decisão do tribunal é recente, e está no Acórdão 623/2021:
“Não existe vedação legal à participação, no mesmo certame licitatório, de empresas do mesmo grupo econômico ou com sócios em relação de parentesco, embora tal situação possa acarretar quebra de isonomia entre as licitantes. A demonstração de fraude à licitação exige a evidenciação do nexo causal entre a conduta das empresas com sócios em comum ou em relação de parentesco e a frustração dos princípios e dos objetivos da licitação.”
Note que, na mesma decisão, o tribunal incluiu a situação envolvendo empresas distintas com sócios que possuem grau de parentesco. E aparentemente concedeu a mesma solução.
O mais interessante, a nosso ver, é que a corte de contas reconhece que a presença de empresas com sócios em comum pode acarretar a quebra de isonomia entre os licitantes.
Na verdade, acho que a comunhão entre sócios vai além: ela fere o sigilo das propostas em si. Ou pelo pode vir a fazê-lo, como diz o tribunal acerca da isonomia. Afinal, é razoável deduzir que esses sócios, embora presentes na licitação através de empresas distintas, podem trocar informações livremente de modo que um tenha pleno conhecimento da proposta do outro.
Mas, pensando bem, essa mesma situação pode acontecer ainda que não haja coincidência de pessoas no contrato social. É o chamado conluio entre licitantes, conduta reprovada pela legislação que pode gerar uma série de penalizações aos envolvidos.
No entanto, para a configuração de fraude, segundo o Tribunal de Contas da União, será preciso a evidenciação do nexo causal entre a conduta das empresas com sócios em comum ou em relação de parentesco e a frustração dos princípios e dos objetivos da licitação
Frustração dos princípios e objetivos da licitação?
Vago, não?
Pois é.
Podemos arriscar que os princípios são aqueles enumerados na Lei 8.666/93, além de outros que constam no ordenamento jurídico brasileiro. Portanto, a isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável , publicidade, economia, eficiência e ampla participação são valores que não podem ser afetados quando dois sócios decidem competir, valendo-se de empresas diferentes, na mesma licitação.
Além disso, a formação de grupo econômico é mais ampla, ultrapassando a mera figura da configuração dos quadros societários. O TCU, na mesma decisão, deixa claro, mais uma vez, entendimento consolidado em várias de suas decisões:
“ Neste ponto, vale relembrar o entendimento doutrinário adotado por esta Corte de Contas para a definição de ‘grupo econômico’: conjunto de sociedades empresariais ou empresários que, sob controle político de um indivíduo ou grupo, atue em sincronia para lograr maior eficiência em suas atividades.”
Dessa forma, parcerias comerciais também podem configurar grupo econômico e, se construído com o objetivo de favorecer fraudulentamente uma das empresas em determinada licitação, estaremos diante de uma fraude.
O Superior Tribunal de Justiça, sobre a formação de grupos econômicos, definiu que “a coligação se caracteriza, essencialmente, na influência que uma sociedade pode ter nas decisões de políticas financeiras ou operacionais da outra, sem controlá-la’ (STJ, Recurso Especial 1.259.020 – SP)”
Portanto, o grupo econômico que atua fraudulentamente pode sofrer as consequências que a legislação impõe.
Daí a importância da prova da fraude. Afinal, não é coisa simples identificar que dois ou mais licitantes, com ou sem sócios em comum, estão atuando sob o comando de uma empresa para auferirem certo resultado na licitação.
Para a produção dessa prova e fraude, a situação vem sendo tomada com bastante largueza pelo TCU, a ponto de o tribunal admitir os indícios como força suficiente para a caracterização do ato ilícito.
Veja, a título de exemplo, os trechos abaixo, extraídos de acórdão do Tribunal de Contas da União:
‘A prova indiciária, constituída por somatório de indícios que apontam na mesma direção, é suficiente para caracterizar fraude a licitação mediante conluio de licitantes, devendo ser declarada a inidoneidade das empresas para licitar com a Administração Pública Federal (art. 46 da Lei 8.443/1992) .’
‘A existência de indícios vários e concordantes faz prova de fraude à licitação e conduz à declaração de inidoneidade das empresas que participaram do ato ilícito.’
‘A confluência de indícios robustos que apontem no sentido de ter havido fraude a licitação justifica a declaração de inidoneidade das empresas que a praticaram. A aplicação de tal sanção independe da ocorrência de dano ao erário.’
‘A existência de fortes indícios de conluio entre os participantes de procedimento licitatório pode levar à declaração de inidoneidade de empresa licitante, independentemente de ela ter colhido algum benefício, bastando que tenha concorrido para a fraude ou dela participado.’
É bom lembrar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 68.006-MG, manifestou o entendimento de que ‘indícios vários e coincidentes são prova’.
Portanto, podemos concluir afirmando que a mera presença de empresas que possuam sócios em comum não constitui obstáculo para participação em licitações públicas. O grupo econômico reprovado pela legislação é aquele que atua de modo a fraudar princípios e objetivos da licitação, e tal fraude, para fundamentar a penalização, pode ser constituída por indícios, prescindindo-se de material objetivo e robusto acerca do ato ilícito.
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Ok, não exatamente sobre jogos, mas sobre uma parte da teoria dos jogos que se aplica inteiramente às licitações públicas, principalmente na modalidade PREGÃO ELETRÔNICO: os LEILÕES, e sua faceta indesejada conhecida como A MALDIÇÃO DO VENCEDOR.
Imagine a seguinte situação: Algumas pessoas se reúnem para dar lances em determinado bem. Vamos supor que esse bem seja um relógio.
Quem dá mais ?
Todas as pessoas presentes na sala são racionais e possuem suas próprias táticas e estratégicas que desenvolverão para otimizar seu resultado que, no caso, consiste em adquirir o relógio para si.
Naturalmente, é de se esperar uma competição onde lances vão aumentando seguidamente até que os competidores, um por um, cheguem ao exaurimento de seus recursos ou confrontem-se com o limite do que consideram razoável despender, deixando apenas ao detentor do maior lance o direito de ficar com o relógio.
O vencedor pode ter agido racionalmente, seguindo uma estratégia previamente definida que levou em conta o conhecimento do relógio e, entre outras coisas, a capacidade de lance de cada um dos demais concorrentes. Ou pode simplesmente ter seguido um impulso, ultrapassando a “lógica” e, CONFIANTE, pagando mais que o valor real do produto.
Racionalizando as possibilidades
Pois bem, a análise de um jogo deve passar inicialmente pela descrição e entendimento de suas características, pois estas influenciarão na tomada de decisão dos jogadores. Assim, a sequência de jogadas, o nível de informação que cada competidor possui sobre o objeto (o relógio em questão) e, principalmente, sobre os demais concorrentes (seus limites, disposição e payoff esperado), e até mesmo a dinâmica sequencial das ofertas interfere no comportamento dos interessados, afinal, lances simultâneos pressupõem uma considerável avaliação de estratégias possíveis dos adversários, coisa que em lances sequenciais tendem a reduzir para uma única linha, ou táticas derivadas de uma única estratégia, facilitando as coisas para cada um dos “jogadores”.
Fatores comportamentais também devem ser considerados. Ainda que os jogadores sejam sempre agentes racionais e maximizadores, em jogos de disputa mecânicos sempre devem ser levados em conta aspectos que dizem respeito à reputação dos concorrentes e sua disposição comportamental, sobretudo quando diante de informações incompletas acerca do objeto desejado, existindo uma tendência à superestimação em comparação com o chamado valor de mercado. Logo, é possível dizer que existe um METAJOGO para além do mero JOGO.
O PREGÃO ELETRÔNICO representa um caso de LEILÃO REVERSO onde o que normalmente se busca é a melhor oferta para a Administração Pública. Melhor oferta quase sempre significando MENOR PREÇO.
Os lances são postos para diminuir o valor da oferta anterior, contrariando a lógica dos leilões comuns sob a ótica dos licitantes, mas valendo integralmente como leilão regular para aquele que compra (Setor Público).
O PREGÃO ELETRÔNICO começa com um primeiro lance simultâneo. Todos os licitantes apresentam suas propostas em determinado dia e hora. Estas serão abertas simultaneamente. Até aqui, o que cada um dos competidores conhece é aquilo que está no edital: características do objeto, quantidades e, algumas vezes, o VALOR ESTIMADO do produto/serviço, ou seja, aquele preço que a Administração Pública aceita pagar.
Sobre o VALOR ESTIMADO, é preciso esclarecer que este pode não constar do edital e ser mantido em sigilo a fim de trazer um outro elemento da teoria dos jogos para a disputa: A INFORMAÇÃO IMPERFEITA. Esta, segundo alguns estudos, garante que os lances se distanciem mais do VALOR ESTIMADO, permitindo maiores descontos para o comprador.
.Portanto, o PREGÃO ELETRÔNICO começa como um jogo (LEILÃO REVERSO) de INFORMAÇÃO IMPERFEITA, pois os ofertantes devem fazer uma proposta sem conhecimento das propostas feitas pelos outros concorrentes.
Posteriormente, reveladas as propostas iniciais, o PREGÃO ELETRÔNICO segue a linha sequencial, com ofertas sendo apresentadas uma por vez por cada interessado, sempre com o intuito de diminuir o valor do bem em disputa.
Acontece que, cada vez mais comum em pregões eletrônicos, a fase final pode exigir que o último lance seja apresentado através de PROPOSTA FECHADA.
Nesse contexto, definidos os competidores classificados até determinado momento, o pregoeiro concede um prazo para que aqueles lancem no sistema um último lance.
Simultaneamente !
Pronto, o CAOS se instala na mente da maioria dos licitantes e aí temos a figura da MALDIÇÃO DO VENCEDOR.
A MALDIÇÃO: “você vence, mas quebra! HA- HA – HA”
A MALDIÇÃO DO VENCEDOR nada mais é que o licitante detentor do melhor lance deixar de levar em consideração as consequências de sua vitória. E ISSO É MUITO MAIS COMUM DO QUE PODE PARECER INICIALMENTE.
Em síntese: no momento do último lance (seja ele aberto ou fechado) o licitante simplesmente “vai com tudo”. Ultrapassa seu limite desconsiderando o retorno sobre o valor ofertado, ou seja, apresenta um valor que não conseguirá manter, apenas para garantir a vitória.
Mesmo sendo seres racionais, aspectos intrínsecos dos competidores podem levá-los a ciladas de graves repercussões no curto e médio prazos. Esses aspectos intrínsecos estão comumente relacionados a:
Desconhecimento do objeto licitado. O licitante não se empenha para compreender o mais precisamente possível todos os elementos que compõem a contratação que almeja, incluindo sua própria capacidade interna relativa ao suporte de custos.
2. Desconhecimento da realidade financeira do órgão pagador. O licitante não se preocupou em saber se existe um histórico de inadimplência envolvendo o contratante.
3. Desconhecimento quanto aos valores praticados no MERCADO DO CONTRATANTE. É FUNDAMENTAL ter noção de valores pagos pelo setor público em média para contratos semelhantes, mesmo que em outras unidades administrativas ou políticas. Oferecer menos que essa média é, quase sempre, sinal de problemas futuros.
4. Confiança desarrazoada em ADITIVOS. Cada vez mais a Administração Pública vem sendo orientada a não efetuar ADITIVOS CONTRATUAIS que envolvam majoração de valores sem que razões importantes estejam presentes, principalmente durante o primeiro ano de vigência do contrato.
Os pontos 1,2 e 3 dependem de trabalho e pesquisa. São os pilares de uma futura estratégia que levará em consideração outros elementos, inclusive a expectativa de lucro razoável para o negócio.
Cada empresa possui sua própria forma de lidar com os custos, pois estes variam de negócio para negócio. A partir do conhecimento desses custos, as análises dos resultados das pesquisas ajudarão muito a definir os próximos passos que orientarão a formação da estratégia de licitação.
É importante deixar claro que, pelo menos no que diz respeito aos pontos 1 e 2, existem formas de garantir que a Administração Pública estabeleça parâmetros de aceitabilidade e expectativas de preço condizentes com as práticas utilizadas no MERCADO. Há ferramentas à disposição dos licitantes que auxiliam a tornar sua presença mais competitiva e sólida em uma licitação, no caso um PREGÃO ELETRÔNICO.
Porém, a CONFIANÇA DESARRAZOADA EM ADITIVOS contratuais é uma ARMADILHA que o licitante costuma construir contra si mesmo, como já mencionamos anteriormente.
No afã de fechar um novo negócio, muitas vezes vultuoso, o licitante “entra na pilha” que o PREGÃO ELETRÔNICO costuma deflagrar nos participantes,
É importante não entrar de cabeça no aquecido PREGÃO ELETRÔNICO, especialmente nos sistemas fechados, onde o último lance é dado simultaneamente e às cegas. É aqui que costumamos ver empresas que não fizeram o dever de casa abrirem mão da razão e estabelecerem valores descolados da realidade, tanto do mercado quanto de suas próprias condições financeiras.
Portanto, a MALDIÇÃO DO VENCEDOR, oriunda da teoria dos jogos, é completamente verificável no meio das LICITAÇÕES PÚBLICAS. Suas consequências são desastrosas e evitá-las requer empenho e planejamento dedicado com o objeto de evitar aventuras contratuais.
Falaremos a respeito disso novamente.
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O Governo Federal, ainda em maio de 2020, publicou a Medida Provisória 961 que, agora, é convertida na lei 14065/2020, que traz importantes alterações para o sistema de compras e contratações públicas.
No que diz respeito à antecipação de pagamento, algo desejado há muito pelos fornecedores e prestadores de serviço para o setor público, a nova lei diz o seguinte:
Art. 1º A administração pública dos entes federativos, de todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos fica autorizada a:
II – o pagamento antecipado nas licitações e nos contratos pela Administração, desde que::
a) represente condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço; ou
b) propicie significativa economia de recursos;
§ 1º Na hipótese de que trata o inciso II do caput deste artigo, a Administração deverá:
I – prever a antecipação de pagamento em edital ou em instrumento formal de adjudicação direta; e
II – exigir a devolução integral do valor antecipado na hipótese de inexecução do objeto, atualizado monetariamente pela variação acumulada do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ou índice que venha a substituí-lo, desde a data do pagamento da antecipação até a data da devolução.
§ 2º Sem prejuízo do disposto no § 1º deste artigo, a Administração deverá prever cautelas aptas a reduzir o risco de inadimplemento contratual, tais como:
I – a comprovação da execução de parte ou de etapa inicial do objeto pelo contratado, para a antecipação do valor remanescente;
III – a emissão de título de crédito pelo contratado;
IV – o acompanhamento da mercadoria, em qualquer momento do transporte, por representante da Administração; ou
V – a exigência de certificação do produto ou do fornecedor.
Alguns comentários são importantes para ajudar a esclarecer os novos dispositivos legais, sempre pela ótica da realidade praticada no mercado.
A antecipação de pagamento durará apenas enquanto houver estado de calamidade pública ocasionado pela COVID-19?
Entendemos que não. A nova forma de metodologia por antecipação de pagamento veio para ficar, e atende uma demanda há muito buscada pelos particulares que contratam com a Administração Pública. Embora elaborada no contexto da pandemia do Coronavírus, as disposições relativas a esta antecipação de pagamento não se submetem à duração do Decreto de calamidade pública editado pela Governo Federal. A ementa da nova lei deixa claro que apenas a ampliação do RDC é que está sujeita à manutenção das condições especiais relativas à pandemia.
O pagamento antecipado das obrigações contratuais a Administração Pública sujeitam-se à ocorrência de, pelo menos, uma de duas condições: economia significativa de recursos, ou quando for indispensável para recebimento do produto ou início da prestação do serviço.
Em outras palavras: desconto no valor total dos produtos ou quando não houver licitante interessado em fornecer/contratar em razão de dificuldades técnicas que onerem sobremaneira o particular, ou, ainda, casos em que o histórico de inadimplência da Administração desmotivo as empresas a participarem da licitação específica.
O gestor público tem que agir com os olhos focados na ECONOMICIDADE das contratações
Também é possível imaginar situações em que a prática do mercado aponta para o pagamento antecipado. Nesses casos, a nosso ver, estaríamos diante da primeira hipótese (desconto).
O certo é que a forma como se dará esse pagamento antecipado ainda depende de maiores regulamentações por parte do Governo Federal, tendo em vista que encontra muita resistência no interior das entidades públicas.
O edital deverá prever expressamente a antecipação de pagamento. De agora em diante, até mesmo para fins de justificar a opção pela antecipação, a Administração deverá fazer cotações de preço levando em conta a maneira tradicional de pagamento e a antecipada, para somente a partir da comparação consolidar a escolha daquela que represente maior economia.
No caso de inexecução do objeto da licitação pelo contratado, o ente público deverá exigir a devolução do valor antecipado.
Aqui reside o perigo que desanima gestores públicos pelo país afora. A Administração antecipa o pagamento, a empresa vencedora da licitação recebe e não executa, ou executa de forma insuficiente ou insatisfatória. Como fica? Exigir a devolução é conduta que não resolve o problema, sendo necessária a proposição de ação judicial para reaver os valores.
Uma alternativa seria uma conta depósito. A Administração pública depositaria o valor antecipado e o particular faria saques de acordo com a autorização do órgão gestor do contrato.
Mas aí não seria antecipação !
Considerando a realidade das contratações públicas no Brasil, isso é muito melhor que a situação atual, pois o dinheiro não dependeria mais de empenho ou medição, ficando disponível fora da burocracia estatal, e considerado pagamento liquidado, em entidade bancária na qual a Administração não poderia ter acesso. Haveria, assim, uma garantia de pagamento, que, no fundo no fundo, é exatamente o que os fornecedores gostariam de ter.
Outra alternativa é antecipar parte do pagamento. Essa medida impulsionaria a participação de mais pequenas e médias empresas nas licitações públicas, afinal, muitas desses micro e pequenos empresários não participam de licitações com receio de adquirirem um estoque robusto e, no fim, não receberem os valores contratados, ou demorarem mais que o naturalmente aceitável para receber o pagamento.
Não poderia ser diferente. A Administração terá que tomar seus cuidados. O importante aqui é notar que essas cautelas administrativas não se resumem às hipóteses previstas no §2º do art. 1º da lei. Tratam-se de exemplos, apenas. Outras formas de garantia poderão ser exigidas para antecipação de pagamento.
Chama atenção a “exigência de certificação do produto ou fornecedor”. Quanto ao produto, não vemos problema. A questão fica relevante quando faz a certificação recair sobre o fornecedor, o que, na prática, significa mais uma maneira de exigir qualificação técnica e, sobre isso, já tratamos diversas vezes aqui no blog.
É bom tomar cuidado para evitar situações em que, em nome da antecipação de pagamento (e, consequentemente, do melhor preço), a Administração pública, através de exigências rigorosas, restrinja a participação de licitantes.
Nós aqui da BRAVO Consultoria online, SEMPRE veremos os dispositivo legais sob a ótica da maior participação possível de empresas interessadas em contratar com o setor público.
Entendemos que a antecipação de pagamento é uma excelente ferramenta de inclusão de micro e pequenas empresas no mercado de vendas públicas. Se for utilizado de forma a inviabilizar essa inclusão, ou apenas beneficiar particulares de grande vulto, o dispositivo estará sendo empregado de maneira inconstitucional.
Esses foram os principais comentários que gostaríamos deixar para vocês que nos seguem nas redes sociais sobre antecipação de pagamento nas licitações públicas.
Você está participando de um pregão eletrônico após atravessar aquele caminho chato de cadastrar na plataforma disponibilizada pelo órgão público (geralmente o comprasnet), subir a proposta e toda aquela documentação referente a habilitações de todo gênero.
De vez em quanto trava mesmo
Ai o negócio começa a travar. Assim, do nada! E volta. E trava novamente. E volta. E trava.
Haja paciência !
A instabilidade no funcionamento das plataformas de pregão eletrônico tem sido um problema real para muitos licitantes e, por enquanto, embora existam esforços para melhoria dos vários sistemas utilizados para licitações online, está longe de um a solução efetiva.
E toma-se tempo. Temos conhecimento de sessões eletrônica paralisadas por mais de uma hora por mal funcionamento do sistema. Às vezes ocorre mais de uma queda desse tipo em um mesmo pregão e, diante da insistência do pregoeiro de persistir na condução do certame, ficam todos ali esperando, meio que reféns da plataforma instável.
Então você perde a proposta, o momento, o prazo e a tranquilidade emocional no processo.
Tenha calma. Na grande maioria das vezes a situação é completamente reversível. Basta que você guarde as informações necessárias pra comprovar que houve prejuízo causado pelas “quedas” do sistema utilizado para o pregão eletrônico.
Vamos trazer um exemplo ocorrido no Estado do Pará.
Procurava-se a contratação de serviços de limpeza. O pregão eletrônico sofreu vários reinícios, de forma a ficar imprevisível o momento de estabilização da plataforma. O pregoeiro, seguindo o edital, concedeu, ao final da sessão, 20 minutos para que as empresas interessadas manifestassem intenção de recurso.
Uma das licitantes perdeu o prazo concedido. Indignada, fez uma representação junto ao Tribunal de Contas do Estado do Pará, alegando o prejuízo decorrente das “quedas” do sistema, entre outros problemas que identificou no caso. Veja trecho da decisão daquele tribunal:
“Na ocorrência de frequentes atrasos no reinício da sessão pública do pregão eletrônico, não é razoável exigir das empresas licitantes a capacidade de manifestar intenção recursal em horário imprevisível e com duração de apenas 20 (vinte) minutos, entendendo-se cerceado o direito de defesa.“
O que o tribunal recomenda é que se amplie o prazo de manifestação recursal, mesmo contrariando o edital de licitação. Afinal, trata-se de uma ampliação em benefício de todos os competidores, não em atenção aos interesses de uma empresa.
Existem outros exemplos que podem ser mencionados, mas a intenção aqui é apenas demonstrar como é possível fazer uso de instrumentos que garantam os interesses legítimos dos licitantes prejudicados.
O que fica é a mensagem – que sempre transmitimos aqui! – de que, para contratar com o setor público, como em qualquer mercado privado, é fundamental não assumir uma postura passiva e se levantar para conquistar seus objetivos.