É muito comum vermos licitantes sendo inabilitados em licitações públicas por falta de compatibilidade entre no objeto social da empresa e o objeto da licitação, ou seja, aquilo que o órgão público pretende adquirir ou contratar.
É como se uma empresa de confecção de camisas, segundo o seu contrato social e registro no CNAE, não pudesse participar de licitação onde se pretende adquirir, por exemplo, equipamentos de proteção individual de trabalho.
Mas isso é correto? Pode a Administração Pública excluir um licitante pelo fato de o que ele se propõe a vender não constar expressamente no objeto social da empresa, ou no CNAE ?
Para responder a essa pergunta, é fundamental partirmos da identificação de dois conceitos que nos auxiliarão a entender melhor a do que estamos falando.
O CONTRATO SOCIAL E SEU OBJETO
O contrato social é o instrumento pelo qual os sócios convergem suas vontades para a formação de um ente dotado de personalidade jurídica capaz de agir dentro dos atos de comércio.
O objeto social é, assim, aquilo que essa pessoa jurídica, constituída através do contrato social, pretende executar como atividade econômica para geração de receitas ao negócio.
A definição do propósito econômico influencia diretamente nas opções tributárias da empresa, principalmente no que se refere à opção pelo SIMPLES NACIONAL. Por exemplo, “comércio varejista de peças de vestuário, calçados e acessórios”.
O CNAE
CNAE significa Classificação Nacional de Atividades Econômicas, tendo como objetivo categorizar empresas, instituições públicas, organizações sem fins lucrativos e até mesmo profissionais autônomos em códigos de identificação.
A principal função do CNAE é organizar as informações empresariais e melhorar a gestãoi tributária do governo.
Como se vê, tanto o objeto social como o CNAE nada tê a ver com os negócios desenvolvidos pela empresa, mas se referem a formas de tributação e adequação à legislação vigente, pois, caso a empresa vá desenvolver atividade regulamentada, ou de risco, será necessário mencionar no objeto social a fim de que se verificque o cumrpimento de normas aplicáveis àquela atividade específica.
Em uma licitação pública, o elemento que evidencia o preparo e experiência de uma empresa para o fornecimento de materiais ou a prestação de serviços não é encontrado nos documentos empresariais relativos a seu registro e constituição, estes são conteúdos que dizem respeito à regularidade jurídica da licitante.
É sob o aspecto da capacidade técnica que se investiga a experiência da empresa e sua possibilidade de assumir o encargo oriundo do contrato administrativo eventualmente assinado.
Vejamos a lei 8.666/93:
Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:
I – registro ou inscrição na entidade profissional competente;
II – comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;
(. . .)
IV – prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.
A lei deixa muito claro o que acabamos de dizer: é no atestado de capacidade técnica que a empresa licitante comprova efetivamente sua linha de atividade e sua expertise empresarial, ao menos para o que se relaciona com a licitação.
A prova de atendimento a requisitos exigidos em lei especial (inc. IV acima) remete ao dissemos acerca de objeto social quando a atividade traz em si alta regulamentação ou risco.
ENTÃO A EMPRESA LICITANTE NÃO PODE SER EXCLUÍDA APENAS COM BASE NO CNAE E OBJETO SOCIAL ???
Não é bem assim, mas a resposta seria “não, não pode ser excluída apenas através do confronto simples entre o objeto da licitação, o objeto social e o CNAE.”
Vamos, agora, ver o posicionamento do Tribunal de Contas da União acerca de objeto social e objeto da licitação, no TC 004.928/2012-1:
“A relação entre o contrato social e a atividade efetivamente desempenhada pelas empresas privadas já mereceu comentário do Professor Marçal Justen Filho. O ilustre doutrinador ponderou que o contrato social não pode representar um estorvo para a atuação da respectiva pessoa jurídica. Isso porque não vigora no Brasil o princípio da especialidade da pessoa jurídica. Ou seja, entende que o contrato social não estabelece limites precisos para atuação da pessoa jurídica. Segundo ele, a fixação do objeto social visa precipuamente à fiscalização da atividade dos administradores da sociedade.”
“Nessa perspectiva, defende que não é necessário que haja uma correlação exata entre os mencionados objetos. Mas, reconhece que as exigências de compatibilidade buscam assegurar a Administração de que aqueles que participarão do certame terão condições de cumprir o objeto. De todo modo, ressalta que essas exigências não podem impedir que os teoricamente aptos a licitar participem do certame. (grifamos)”
(…)
“O que se precisa averiguar, antes de tudo, é se a natureza jurídica da pessoa jurídica permite a prática da atividade.
E o que se entende por natureza jurídica? Natureza jurídica da pessoa jurídica é a classificação que se faz para diferenciar as sociedade comerciais das sociedades civis, diferenciar estas das associações civis e das fundações, ou ainda, diferenciar as pessoas jurídicas com fins lucrativos das sem fins lucrativos etc.
Ou seja, não se pode admitir que uma sociedade civil (que é o gênero que se dedica exclusivamente a prestação de serviços) pretenda participar de um certame em que o objeto é o fornecimento de mercadorias (que exigiria a natureza jurídica de sociedade comercial, por exemplo).
Ainda há a questão do exercício da atividade ser privativo de determinada categoria profissional. Por exemplo, não se pode pretender contratar uma sociedade de contabilistas para prestar serviços de assessoria jurídica, posto que tal atividade é privativa de advogados autônomos, inscritos na OAB, ou sociedade exclusivamente composta de advogados, também inscrita na OAB (conforme Lei Federal 8.906/94 – Estatuto da Advocacia e OAB).
Fora destas hipóteses, não se pode pretender invalidar, de modo automático, a prática de determinada atividade por uma sociedade comercial pelo simples fato que aquela atividade não está inserida especificadamente no rol de suas atividades constantes do contrato social.
Vale ainda referência aos ensinamentos de JUSTEN FILHO (ob. loc. cit), para quem o problema do objeto social compatível com a natureza da atividade prevista no contrato a ser firmado se relaciona com qualificação técnica, sendo que, se uma pessoa jurídica apresenta experiência adequada e suficiente para o desempenho de certa atividade, a ausência de previsão expressa desta mesma atividade em seu contrato social não poderia ser empecilho para sua habilitação.
Deve assim, os órgãos julgadores dos procedimentos de licitação, proceder com extrema cautela para não inabilitar indevidamente pessoas jurídicas que poderiam formular, até mesmo, propostas mais vantajosas à Administração.
Vale a pena destacar os seguintes pontos na decisão acima:
- A empresa não pode ficar refém de seu contrato social, a ponto de impedir seu livre funcionamento e exercício da atividade econômica;
- Não é necessária a correlação exata entre o objeto social entre o objeto social e o objeto da licitação;
- Mais importante é verificar se a natureza jurídica da pessoa jurídica permite a prática da atividade que está sendo licitada;
- Importante, também, observar se o que se pretende licitar é exclusivo de determinada categoria profissional;
- Não se pode negar, de forma automática, a participação de pessoa jurídica em licitação apenas porque a atividade licitada não se encontra expressamente no contrato social da empresa.
Diante do que vimos até aqui, o importante é que o licitante compreenda que sua exclusão de uma licitação, com base na incompatibilidade entre os objetos, não é uma situação que deve ser aceita passivamente.
Existem ferramentas à disposição do licitante excluído da licitação que podem ser somadas a sólidos argumentos para garantir sua participação.
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